O TEATRO DE JOSÉ DE ANCHIETA

Origens do Teatro Brasileiro



Benedito Calixto - Evangelho nas Selvas, 1893


       As origens do Teatro Brasileiro são religiosas e deram-se por volta do século XVI, quando os jesuítas portugueses vieram para o Brasil como missionários da fé cristã e tornaram-se, posteriormente, os propagadores da arte dramática.


      Alvo da desconança dos nativos, os jesuítas esforçavam-se para estabelecer contato com indígenas e povos pagãos. Através do canto, música, mímicas e máscaras buscavam introduzir princípios do cristianismo e da ‘civilização’, constituindo uma espécie de ‘pré-teatro’. Essa forma de representação cênica, portanto, tinha por objetivo evangelizar os índios, além de apaziguar os conitos entre eles e os colonos portugueses e espanhóis.

      Jesuíta de grande importância para a época, Padre José de Anchieta, conhecido como “apóstolo do Brasil”, foi responsável pela criação de várias peças, como Diálogo do Crisma, representada na chegada de Bartolomeu Simões Pereira (administrador eclesiástico do Rio de Janeiro, que pretendia ministrar o crisma entre os nativos). Outros títulos conhecidos são: Auto da Vila da Vitória, Auto de Guaraparim, Auto na Visitação de Santa Isabel e Na Festa de São Lourenço.

      Em geral, as peças eram escritas em até quatro línguas (espanhol, português, tupi e latim) e retratavam acontecimentos da região, buscando sempre um diálogo catequético. O teatro escolar dos jesuítas tinha uma forte inuência moralizadora e procurava armar a autoridade da Igreja – deixando certa margem de liberdade para as pessoas.

      Anchieta é, para um largo setor dos estudos literários ou antropológicos, um homem que produziu teatro, em terras brasileiras, com o único objetivo de catequizar e evangelizar os índios e colonos. Fazendo forte uso desse instrumento pedagógico, a representação de cenas cristãs faladas em tupi teria transformado o Brasil ‘pagão’ em católico e cristão. Como se a comunidade que aqui vivia não tivesse existência passada ou mesmo presente e reconhecesse, em José de Anchieta alguém superior, que lhes pudesse ensinar uma cultura e uma nova maneira de viver. Como se essa comunidade, que existia ou que se formara muito antes da chegada dos jesuítas, não contasse com pessoas vivas e atuantes: índios guerreiros, homens europeus degredados, fugitivos da Inquisição, donos de escravos, aventureiros, religiosos – com ou sem vocação, visitadores da Companhia de Jesus, do Santo Ofício. Como se essas pessoas fossem simplesmente alunos bem-comportados das encenações religiosas feitas por um santo.

      Como se os nativos – que tinham na guerra e na vingança, talvez, a principal forma de organização de sua sociedade –, fossem meninos mal-ajuizados indo para o teatro ‘levar carão’...

      Nada foi fácil a vida e o trabalho de Anchieta, em Piratininga. Vindo para ensinar, catequizar, teve que aprender, ouvir, estudar a língua do país para se comunicar e compreender a realidade local. Manejando a língua nativa, entrava-se mais facilmente no que poderíamos chamar de ideologia de quem a usava no cotidiano: seus mitos, religião, sua organização social. Somente então se poderia ensinar os bons e criticar os maus costumes – segundo, evidentemente, uma visão cristã – valendo-se de festas religiosas e encenações.

      O padre e dramaturgo Anchieta criou diálogos teatrais com personagens de vida social indígena para falar ao seu espectador, na língua deles, sobre “a maneira boa de viver” e sobre o que seria mau, como rituais e costumes indígenas; criou um teatro evidentemente pedagógico, com propósitos semelhantes àqueles dos autos religiosos e das moralidades medievais.

      Anchieta escreveu não só peças, como também poesias e cartas que deixaram um legado valioso sobre a vida, os costumes, a religião e a sociedade indígena em geral.

 
∞ Paolo Victor Pugliese Capistrano